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No dia 12 de novembro, a convite da Ágora Porto, a Aguça realizou a sua primeira oficina no âmbito das Inaugurações Simultâneas de Miguel Bombarda. A atividade visava a exploração de materiais e técnicas de expressão diversos, através de uma sequência de exercícios com uma narrativa comum. Cada uma destas etapas correspondia a um momento da história que nos propusemos a contar, elaborada a partir de contos da tradição oral e, em particular, sobre um personagem do folclore transmontano — o Fradinho da Mão Furada (também conhecido por Trasgo, Maruxinho ou Zanganito). No final, reunimos algumas das ilustrações dos participantes e construímos um fanzine colaborativo.
Embora encontremos menções ao Fradinho da Mão Furada e outras criaturas semelhantes noutras regiões de Portugal, é no norte que reside a maior parte das lendas em torno destas que, apesar das suas diferenças, podem ser descritas como espécies de duendes caseiros. Infames pelas suas tropelias e diabruras, que geralmente acontecem no decorrer da noite — loiça partida, coisas postas fora do sítio e até comida que azeda imediatamente depois de ser cozinhada — estes seres sobrenaturais podem causar algumas dores de cabeça, mas no fundo são inofensivos.
Diz-se que a expressão “mão furada” serviu em tempos para designar alguém extremamente generoso. Por isso, reza a lenda que se formos amigos do duende de nossa casa, ele poderá não só esconder o par das nossas meias como também trazer coisas boas. É o caso do Fradinho desta história, que coabita com uma família numa casa algures em Trás-os-Montes, ao lado de uma bouça mágica, onde o real e o fantástico se misturam como as nuvens e as montanhas.
«E se nós fôssemos um lápis fantástico e pudéssemos desenhar “por cima” da realidade? Como se fôssemos uma fada, um duende, um lobisomem… o que faríamos a esta imagem?»
O primeiro momento da história foi introduzir os participantes aos seus protagonistas: os Martinhos — uma família fictícia que habita numa casa de dois pisos, ao lado da bouça dos Maruxinhos. Este exercício consistia numa intervenção livre e personalizada sobre um retrato familiar incompleto, utilizando apenas marcadores.
«Que sequência de sons ouviram? O que terá acontecido?»
Ao longo da história, os membros mais novos da família vão-se dando conta de uma presença sobrenatural na casa. Dá-se então início ao objetivo principal da oficina: imaginar a identidade da criatura a partir de uma série de pistas.
Neste segundo momento, a primeira evidência de atividade paranormal são os sons que se ouvem certa noite: loiça a tilintar, passos no corredor e a madeira do chão a ranger, gavetas que se abrem e fecham e, por fim, algo que corre floresta adentro. Nesta fase propôs-se desenhar sobre um acordeão de papel, dividido em quatro painéis, com recurso a canetas de sopro, lápis e marcadores. A ideia passava pela representação, figurativa ou abstrata, daquilo que cada um interpretou do que ouviu.
«Enquanto o fradinho fugia, deixou uma coisa para trás. O que é isto?»
A segunda pista é um objeto que cai sobre a mesa: um barrete vermelho deixado para trás pelo Fradinho enquanto fugia. Aqui pediu-se a cada participante que desenhasse o gorro com lápis de cera, sem nunca levantar a sua ponta do papel.
«Depois de toda a agitação, os mais novos — que parecem ser os únicos que se aperceberam de uma presença estranha em casa — decidiram pegar num livro em conjunto para chamar o sono e voltar a adormecer. Quando deram por ela, todos sentiram uma pequena picada num dos dedos. O que poderá ter sido?»
Nesta fase, cada participante recebe uma folha de “exame médico”, na qual preenche a informação do “paciente” com o seu nome e desenha o contorno da sua mão a grafite, identificando a pastel de óleo a área afetada pela mordida. Em seguida, os desenhos são passados para o colega do lado que, por sua vez, efetua o “diagnóstico” e assina como “médico”.
«As crianças acabam por adormecer, e nasce um novo dia. Quando abrem a porta do quarto para tomar o pequeno-almoço, apercebem-se de umas pegadas pela casa. As pegadas parecem ser todas diferentes – ora parecem de um bicho, ora de outro, ora de uma pessoa. Mas que ser será este? Será capaz de mudar de forma? Tamanho? Cor?»
Por esta altura ainda ninguém sabe qual a forma real do Fradinho, apesar das incontestáveis evidências da sua atividade. Com esta última pista, chegamos à conclusão de que esta criatura pode ser um pouco mais complexa do que pensávamos — parece ter a capacidade de mudar o seu aspeto físico. Para ilustrar o caráter transmorfo do protagonista da nossa história, fornecemos alguns recortes já preparados de partes dos animais que corresponderiam às pegadas encontradas no corredor — pessoa, porco, vaca e galinha — e pedimos a cada um que criasse um personagem híbrido, como se fosse uma metamorfose a acontecer em tempo real.
«Intrigados com esta criatura bizarra, os pequenos engendram um plano para apanhar o Fradinho em flagrante. E do que é que eles se lembram? E se deixassem a sua comida preferida em cima da mesa da cozinha, durante a noite?»
Colocando-se em fila, os participantes replicaram um gesto por nós iniciado, nas costas uns dos outros. No fim, pediu-se que, com base no que sentiram, cada um desenhasse livremente que comida poderia ser. Como num jogo do “telefone estragado”, aquilo que inicialmente seria um cone de gelado, resultou (e bem!) em tudo menos isso — fatias de pizza, esparguete, uma galinha e até um cabaz de fruta e vegetais em forma de coração.
«Quando chega a hora de dormir, aguardam pacientemente no quarto até ouvirem os pais a ressonar. Colocam a “armadilha” na mesa e escondem-se na despensa à espera do Fradinho. Não tarda muito, começam a ver aquele ser trepar pela cadeira até à mesa para se deliciar com a guloseima. Afinal, o Fradinho também gosta muito da nossa comida preferida! Lambusado de morango na cara, com manchas de chocolate na fatiota verde e os seus olhos muito negros a reluzir no escuro, a criatura tem um ar mais amigável do que aquilo que podiam ter imaginado. E o que é aquilo na mão dele? Conseguimos ver através dela… é um buraco!»
À medida que nos vamos aproximando do final da história, a figura do Fradinho vai começando a ganhar uma forma diferente para cada um. Este é o momento em que todos “veem” o Fradinho e desenham o que imaginam com base nas pistas que foram reunindo ao longo da atividade.
«As crianças percebem que é agora ou nunca. Começam a abrir a porta da despensa, num misto de curiosidade e algum receio, e ficam frente a frente com o Fradinho. Para seu grande espanto, o Fradinho não foge, simplesmente olha-os de volta e estende-lhes o que sobra do gelado, com um sorriso generoso. É neste momento que percebem que esta criatura nunca lhes quis mal, apenas ser amigo. A partir daqui, este viria a tornar-se um ritual na família dos Martinhos: todas as noites a ceia é com o Fradinho, que entretanto passa a fazer parte da família.»
O que começou por se afigurar como uma entidade incógnita e fruto de algum receio, acabou por se revelar uma criatura que, apesar das suas bizarrices, tem algumas coisas em comum connosco. Nem sempre o que se revela logo num primeiro contacto corresponde à verdade e, muitas das vezes, as primeiras impressões são insuficientes para tirar conclusões.
Esta oficina foi desenhada para crianças dos 6 aos 12 anos, mas acabou por ser uma agradável surpresa quando se tornou numa atividade em família, com a participação de miúdos e graúdos. A atividade foi orientada por Inês Caldas e Rita Ferreira.